CALVIN - Susie, dás-me três razões válidas para eu estudar matemática?

SUSIE - Três razões ...

CALVIN - O que é a matemática? Para além de um frequente pesadelo, o que é? ...

SUSIE - Sei o que é, mas não sei se sei dizer o que é.

CALVIN - É a ciência onde nunca se sabe de que se fala nem se que se diz é verdadeiro ...

HOBBES - IHI, IHI, IHI; IHI

SUSIE - Onde leste isso?

CALVIN - Não é assim que alguns matemáticos a definem?

SUSIE - Mas tu percebes o que isso quer dizer?

CALVIN - Sei o que é. Mas não sei se sei dizer. Duas palavras não bastam ...

HOBBES - Não sabes, está visto que não sabes.

CALVIN - Duas palavras, querem que diga em duas palavras o que é a matemática? Vai: X mais não me diz nada!

HOBBES - Li algures que um matemático é um homem cego, numa sala às escuras à procura de um gato preto que não se encontra lá.

SUSIE - A matemática é sobre nada. É.

CALVIN - Isso é muito, muito ... abstracto!

SUSIE - Dou-te uma razão concreta, uma boa razão, para estudares matemática, Calvin. A matemática é um jogo, um jogo de regras difíceis. E tu gostas de jogos. Quanto mais difíceis são as regras, mais interessante é o jogo.

CALVIN - Um jogo, a matemática? Prefiro jogos mais empolgantes ... Essa «razão» não me satisfaz.

SUSIE - Este planeta girante em que vivemos está escrito em linguagem matemática. A luz propaga-se em linha recta. Os planetas movem-se em elipses ... A matemática permite resolver problemas de natureza diversa: problemas de biologia, física, química, engenharia, computação ...

CALVIN - Queres dizer que há matemática ao virar da esquina, que os planetas nos seus movimentos estão a fazer matemática, ou que o meu gato, quando morde a cauda e corre em círculo, está a «fazer» matemática?

SUSIE - Claro que não! Mas, se não aceitas estudar matemática pelas suas aplicações, então dou-te uma razão ainda mais forte. O mundo da matemática é ... um mundo belo!

CALVIN - Ora ... O que é belo para uns é feio para outros! O Sol, as flores e a preguiça são belos. As coisas belas não precisam de matemática para serem belas. Essas equações, esses símbolos ... Brrr ...

SUSIE - Se não souberes matemática, não compreenderás o «grande livro do universo».

HOBBES - Nem sequer as obras dos homens, quanto mais ...

SUSIE - Noutros satélites de outros planetas de outros sistemas solares existe esta mesma linguagem. A matemática é universal. Com ela podes comunicar com outras inteligências, outras galáxias ...

CALVIN - Noutros satélites de outros planetas de outros sistemas solares existe esta mesma linguagem e através dela posso comunicar com outras inteligências?!. .. Ah, deve ser por ser uma linguagem de outras galáxias que é tão difícil usá-la entre nós ...

HOBBES - Calvin, sabes em que linguagem está escrito este poema dos marcianitos verdes?

CALVIN - Hum! ... Referes-te a este cartaz verde com «pi» e símbolos matemáticos? «Isto» é um poema dos marcianitos verdes?! Espantoso! Vê: 1 +== l0!!!! Os marcianitos verdes usam a base 2 e conhecem o pi ... Hobbes, que te parece? «Pi», «Pi linha» ... Ih, ih, ih ...

HOBBES - Que mais saberão eles, os marcianitos verdes? Espantoso, 1 == l0!!! Quem diria que eles sabiam ...

CALVIN - Olha! E 2 == l1!!! Quem diria que eles também sabiam a base 3 ...

HOBBES - A matemática é uma linguagem de símbolos esquisitos e os marcianitos verdes devem ser estranhíssimos.

CALVIN - A verdade é que cada louco inventa a sua matemática e sente muito orgulho nisso, como se essas matemáticas saídas da ponta do lápis fossem de alguma utilidade para o mundo ...

SUSIE - Nada mais inútil do que discutir o que é útil. Nos finais do século XVIII, Jeremy Bentham procurou desenvolver um «cálculo» para medir a utilidade e inutilidade de uma acção.

CALVIN - E então?

SUSIE - Tal cálculo não existe!

HOBBES - Era o que eu pensava!

CALVIN - Bruxo!

SUSIE - A história mostra como nos enganamos com os juízos de utilidade. Aquilo que agora é inútil pode ser útil amanhã. E vice­versa.

HOBBES - Nada há de mais inútil do que o que é útil, a começar pela matemática.

CALVIN - Símbolos bolorentos, mortos, jazem aos montões nos cemitérios das bibliotecas matemáticas do mundo ... O Hobbes tem aversão às linguagens formais, eu sei ...

SUSIE - Pois olha, Calvin, essas linguagens são um artefacto da cultura humana. Os computadores dão-se muito bem com elas ...

CALVIN - Um artefacto da nossa cultura!

SUSIE - A matemática é a linguagem da ciência e o universo está escrito em linguagem matemática. Para resolveres os problemas que a vida te vai colocar precisas de saber matemática.

CALVIN - Que exagero! Uso a calculadora, ou o computador, e já está!

SUSIE - A matemática possibilitar-te-á compreender melhor a obra do criador e a obra do homem. Ela está presente no quotidiano, nas telecomunicações, no processamento de imagem, nas transacções da bolsa, nas mais diversas tecnologias ... Se não achas estas razões boas razões para a estudares, lembra-te sempre de que a matemática é um jogo.                                                                .               .

CALVIN - Hobbes! Nada tão espectacular como inventar jogos.  

HOBBES - Quais propões?

CALVIN - Eis as regras:

Primeira regra não há regras.

Segunda regra é obrigatório cumprir a primeira regra.

Terceira regra há que cumprir a primeira e a segunda regras e não há qualquer outra regra.

    

Agora, Susie, agora, Hobbes, joguem o jogo!

HOBBES - Como é possível jogar um jogo que não tem regras?

CALVIN - A questão é que tem regras. Três regras! Sentes a cabeça à roda, Hobbes? São assim os jogos.